Acredito que nos últimos quinze anos este seja o melhor álbum produzido aqui no Brasil, sim, o álbum do Lobão, “O Rigor e a Misericórdia”, produção 100% independente, sob todos os aspectos, pois ele fez tudo, executou todos os instrumentos musicais de forma exemplar e para completar o feito, não satisfeito, lançou um livro de mesmo nome simultaneamente. Já sei, alguém vai dizer, sim e daí? Simples, são bons “pra caralho!!!”
Mas nem tudo são flores, eu preciso voltar uns trinta anos no tempo, lá pelos idos dos anos oitenta e confessar que eu o odiava com todas as minhas forças (....eu era muito careta....), apesar de contraditoriamente gostar muito de suas músicas, “Me Chama”; “Corações Psicodélicos”; “Decadence Avec Elegance” ,“Radio Blá”, “Vida Bandida” e tantas outras que ele fez, (...mas não contava pra ninguém...), pois ele tinha aquele “ar rebelde” estampado na cara que me incomodava muito (....acho que era aquele cabelão, o jeito de falar com certa superioridade que era foda de aturar.....).
Para completar minha ira, alguns anos mais tarde vejo Lobão de braços dados com o maior problema da atualidade que estamos vivendo aqui no Brasil...., Lula, PT e cia....., pensei, agora fodeu tudo, se passar na minha frente eu passo com o carro por cima, não tem conversa, e com isso o meu ódio só aumentou.
Entretanto, a História (com agá maiúsculo) é muito cruel e implacável, pois um dia ela chega e cobra seu preço, e isto aconteceu com ele, viu o monte de merda que fez em nome da democracia, achando que estava dando sua contribuição cívica e com o passar do tempo descobriu que estava rodeado por uma horda de aloprados com o firme propósito de criar um Projeto de Poder e não de Governo, lógico, pulou fora imediatamente.
Isso aconteceu poucos anos depois de seu engajamento no mundo político, e como já passou muito tempo desde então, a merda é a mesma, atualize-se agora, basta ler em qualquer site de informação, as manchetes de agora, de amanhã e depois, e depois......., ele enxergou isso muito antes de todos nós..., um visionário??, não, apenas sentiu na pele o que é estar nos bastidores do poder.
Então pela primeira vez tive que reconhecer o seu valor como pessoa física, cidadã, pagador de pesados impostos, uma vez que publicamente admitiu seu engano e tornou-se um feroz desafeto de tudo o que representasse aquele projeto, seja na figura das pessoas, das ideias e de tudo mais....., mas para mim, ainda não era o suficiente, eu não estava convencido que ele pudesse ser uma pessoa legal.
O tempo passa, e mais uma vez, lá vem ela, a História, veio cobrar seu preço, desta vez eu era a vítima, e veio na forma de um livro, chamado “50 Anos a Mil”, deste mesmo Lobão, comprado com um único propósito, o de esculachar geral, ter motivo para falar mal e poder odiá-lo ainda mais.
Entretanto, fui atingido mortalmente logo nos primeiros capítulos, pois passei a enxergar um outro indivíduo, humano pra cacete, com seus medos e receios, de rara inteligência e cultura (....só lendo o livro para entender...) que teve a coragem de expor suas entranhas, dentro e fora do seio familiar, contando tudo o que aconteceu com ele desde a sua infância até tempos anteriores ao livro. Leiam, pois vale cada centavo de seu custo.
Então, pensei, “....mas que merda, virei um fã do cara, e agora, o que eu faço??? Agora velho, já era, e pouco tempo depois, eu começa a ler o livro, “Manifesto Do Nada Na Terra Do Nunca”, seu segundo trabalho literário, muito bom por sinal, que enfureceu alguns críticos vendidos que não merecem o menor crédito, bem como todos os escalões políticos, seguidores e afins dos aloprados, o que lhe rende até hoje uma série de chateações e prejuízos, inclusive de ordem financeira, pois em várias ocasiões, teve shows cancelados por ameaças veladas e algumas diretas junto a organizadores e produtores, mas enfim, este é o preço que se paga quando doutrinas violentadoras são confrontadas, mas o fim está próximo.
Não quero ser piegas, mas não conseguiria por questões de ordem ideológica, escrever a resenha deste álbum, sem antes fazer o meu
“Manifesto do Ódio na Terra do Xurupito”, pois não seria justo com o artista, portanto, isto feito, vamos ao que interessa, que é a música e o belíssimo álbum,
“O Rigor e a Misericórdia”, onde
Lobão não se preocupou nem um pouco em fazer uma música comercial (....aliás, acho que ele nunca teve esta preocupação...), fácil de escutar, pra tocar em rádios FM ou coisa parecida.
Fez o que quis, tocou pra cacete, teve a audácia e a coragem de produzir um álbum sem se prender a estilos musicais, algo incomparável, mostrando maturidade, virtuosismo e capacidade intelectual em produzir um material com real qualidade e esmero.
Esta coragem é a que falta à vários bundões dos mais diversos segmentos musicais dos Brasil, que um dia fizeram sucesso e agora vivem à sombra do passado, com sabor naftalina e por conta desta covardia coletiva, propiciou-se o abre alas para o atual “FEBEAPA” – Festival de Besteiras que Assolam o País (Stanislaw Ponte Preta), para a categoria, “MPB do século 21”, um desastre total, culpa também de produtores raquíticos e medíocres intelectualmente e da nossa estimada e acéfala indústria fonográfica.
Não tenho a menor pretensão de fazer uma autopsia, música à música, mesmo porque, Lobão já se deu a este trabalho e fez isso de forma muito bem detalhada em seu mais novo livro, intitulado,
“Em Busca do Rigor e da Misericórdia”, descrevendo o processo de criação de cada música, onde buscou a inspiração e com muita precisão técnica descreve os instrumentos e softwares que usou em sua jornada solitária.
Paralelamente retrata de forma visceral suas tretas mais recentes com seus desafetos, que não são poucos, tendo em vista a sinceridade com que Lobão lida com os fatos e acontecimentos, principalmente do atual momento social e político e de suas consequências.
O livro está disponível para usuários do Kindle ou em versão física na “amazon.com”, Saraiva e nas demais casas do ramo.
Voltando ao álbum, logo na primeira faixa em um rompante progressivo, Lobão é possuído por uma entidade tecladista e manda ver em uma belíssima peça instrumental, chamada “Overture”, um prelúdio composto com um enredo cromático muito interessante, feito com harmonizações bem sofisticadas, completamente fora da curva da normalidade musical a que estamos acostumados nos dias atuais.
Aliás, a tônica deste álbum é estar fora da curva da normalidade sob quaisquer aspectos, pois além de ter tocado todos os instrumentos, deu uma caraterística inovadora no seu modo de cantar, as vezes em modo gutural, outras em tom de deboche o que lhe é muito peculiar e como fez a mixagem das músicas, deu uma nova perspectiva à sua voz, ou seja, ousou e se deu bem, mas teve gente esbravejando, o que é normal, afinal, gosto não se discute, se respeita.
Dois bons exemplos disso são as músicas “Os Vulneráveis” e principalmente a “Marcha do Infames” que teve claro endereçamento, com uma letra bem pesada, mas sem ser agressiva, que descreve nosso momento social e político, compassada em ritmo marcial o que confere um tom patriótico a canção e fere mortalmente a quem tem que ser ferido, sensacional.
Como todo álbum temático que se preza, sempre há um “gran finale” e
Lobão não se fez de rogado, pois acertou na mosca, bem entre os olhos, com a música título,
“O Rigor e a Misericórdia” e mais uma vez possuído, agora por uma entidade sinfônica, deu um banho de bom gosto no arranjo que fez sob medida para letra da música com uma riqueza de detalhes presente em todos os instrumentos, só percebido em músicas dos anos setenta....., seria uma influência dos tempos do
Vímana??? Pouco importa, a música é sensacional, to com ela grudada na cabeça já a alguns dias.
Resumo da ópera, particularmente gostei muito do álbum por sua excelência, diversidade musical, pois cada música representa um caminho bem distinto, com identidade própria, com linguagem independente, portanto, esse álbum possui uma dinâmica muito grande e capacidade de penetração bem abrangente para agradar a gregos e troianos, basta ouvir, o resto, vem naturalmente.
Ficha Técnica:
Lobão - Voz, todos os instrumentos e engenharia de som.
Tracks:
01. Overture
02. Os Vulneráveis
03. A Marcha Dos Infames
04. Assim Sangra A Mata
05. O Que Es La Soledad En Sermos Nosotros
06. Alguma Coisa Qualquer
07. Dilacerar
08. Os Últimos Farrapos Da Liberdade
09. A Posse Dos Impostores
10. Ação Fantasmagórica A Distância
11. Profunda E Deslumbrante Como O Sol
12. Uma Ilha Na Lua
13. A Esperança É A Praia De Um Outro Mar
14. O Rigor E A Misericórdia
LINKS
Spotify - https://open.spotify.com/album/15S4UCrGu36rKG1lUKkeCo
Deezer - http://www.deezer.com/album/12006112
iTunes -
https://itunes.apple.com/br/album/o-rigor-e-a-misericordia/id1068897086